Crises epilépticas no Paciente Pediátrico: O que fazer?

A convulsão ou crise convulsiva ou melhor, crise epilética, termo mais atual, é o evento neurológico clínico mais frequente nas emergências pediátricas, correspondendo a cerca de 1 a 5% dos atendimentos, excluindo-se o trauma, e a 15% dos atendimentos pré-hospitalares de crianças até 5 anos de idade. Aproximadamente 80% das crises epiléticas terem resolução espontânea antes mesmo do atendimento hospitalar. No entanto, a duração prolongada aumenta riscos de lesões neurológicas e sistêmicas, podendo causar inclusive, a morte súbita do paciente.

O que é, e conceitos da crise convulsiva

O termo convulsão ou crise convulsiva relaciona-se a um fenômeno súbito e transitório, de natureza motora, provocada ou espontânea, que pode se associar ou não a crises não convulsivas: sensorial, autonômica ou cognitivas; causada por uma descarga elétrica neuronal anormal, excessiva, síncrona e transitória, podendo incluir estruturas corticais ou subcorticais, generalizada ou focal. Também pode estar associada a doenças infecciosas, neste caso são consideradas crises provocadas.

Para o correto tratamento e manejo do paciente, é fundamental que o profissional de saúde saiba diferenciar: epilepsia, crise epilética, convulsão e estado de mal epilético (EME).

Fonte: Casella EB, Mângia CMF. Abordagem da crise convulsiva aguda e estado de mal epiléptico em crianças. J Pediatr (Rio J). 1999;75(Supl 2):S197–206.

Crises convulsivas mais atendidas na emergência

Crise convulsiva febril: é definida como uma crise associada a temperaturas acima de 38°C, em crianças entre 6 meses e 5 anos, não associada à infecção do sistema nervoso central, nem alteração metabólica e sem história prévia de crise convulsiva afebril. É classificada em simples (generalizada, menos de 15 minutos, sem recorrência em 24 horas) ou complexa (focal, com duração de pelo menos 15 minutos e/ou recorrência em 24 horas, além de déficit neurológico focal).

Estado de mal epiléptico febril: apresenta-se como crise febril generalizada ou focal que evolui para generalizada, por mais de 30 minutos. Está mais associada à história familiar de epilepsia e a anormalidades neurológicas.

Estado de mal epiléptico (EME): pode ser considerado convulsivo, quando existem manifestações motoras, ou não convulsivo, quando a manifestação predominante é a alteração do nível de consciência ou de aspectos qualitativos da consciência. Também pode ser classificado como generalizado ou focal.

Manejo inicial e tratamento

A investigação diagnóstica inicial deve ocorrer paralelamente à abordagem terapêutica, seguida de investigação mais minuciosa conforme os resultados de exames iniciais. A investigação contempla a realização de triagem bioquímica, hematológica, toxicológica e infecciosa, bem como eletroencefalograma (EEG) e exame de neuroimagem (inicialmente tomografia de crânio se exame de ressonância magnética não estiver prontamente disponível). Pacientes com diagnóstico prévio de epilepsia podem necessitar a realização de novos exames (mesmo se já realizados anteriormente) para verificar possíveis sinais de doença em evolução ou diagnóstico alternativo. 

O manejo inicial do paciente com crise convulsiva consiste na garantia das vias aéreas, com posicionamento adequado da cabeça e pescoço (sniff position), aspiração de vias aéreas (se necessário), oferta de oxigênio (via cateter nasal ou máscara), monitorização e garantia de acesso venoso. A estabilização do paciente com crise convulsiva na emergência é uma prioridade. Faz parte da abordagem inicial atentar para a função cardiorrespiratória e para as possíveis complicações das crises ou da sua terapêutica, como hipotensão arterial, arritmias cardíacas e depressão respiratória.  Verificam-se constantemente os sinais vitais e a saturação de oxigênio, além de conferir a glicemia capilar.

A conduta terapêutica medicamentosa inicial tem o objetivo de interromper a convulsão o mais rápido possível. A primeira classe de fármacos a ser utilizada é a dos benzodiazepínicos, que, são de escolha no tratamento urgente, pois atravessam a barreira hematoencefálica com rapidez por serem lipossolúveis, podem ser utilizados por outras vias além da endovenosa. No caso da persistência das crises, em nosso meio, as opções terapêuticas por via endovenosa, são fenitoína e fenobarbital. Na faixa etária neonatal o fenobarbital é preferível. Quanto às medicações de segunda linha, não se tem um consenso sobre qual o tratamento seria mais eficaz. No entanto, a indisponibilidade da apresentação endovenosa de alguns fármacos no Brasil não permite seu uso no manejo do estado de mal epiléptico, como levetiracetam, lorazepam, entre outros. 

Ainda não existe um consenso universal em relação à investigação e manejo de crianças que se apresentam para atendimento em serviços de emergência com crises convulsivas. A heterogeneidade da semiologia das crises epilépticas na infância, o amplo leque de possibilidades de diagnósticos sindrômicos, e as opções terapêuticas disponíveis em diferentes países podem, ao menos em parte, explicar tais divergências.  As rotinas referentes à investigação inicial e manejo a curto e longo prazo também diferem de acordo com a complexidade do serviço e os recursos na instituição de saúde. É importante que serviços de emergência pediátricos tenham um protocolo estabelecido a partir de evidências da literatura e adaptada a realidade do serviço. Com isto, garantem-se melhores taxas de diagnóstico, potencializa-se o manejo do paciente e, sobretudo, otimiza-se o prognóstico.

Sobre o curso

O curso Desafios na UPA: Curso Teórico e Prático de Urgências Pediátricas, do Multiplica PP, é uma iniciativa voltada para capacitar médicos que trabalham ou desejam trabalhar nas unidades de pronto atendimento (UPAs), para os desafios específicos relacionados ao atendimento pediátrico. O programa tem como objetivo fornecer conhecimento prático de habilidades clínicas para garantir um atendimento de qualidade às crianças que necessitam da UPA para procedimentos de saúde de complexidade intermediária sem a necessidade de encaminhamento para a atenção hospitalar.

Texto aprovado pela coordenadora do Multiplica PP, dra. Giovana Camargo e pela neuropediatra dra. Marilis Tissot Lara.

Referências bibliográficas:

Pascolat G, Ribas MM, Mançaneira JF, Richlin CH, Costa CG. Manejo de crises convulsivas e epiléticas na sala de emergência. In: Sociedade Brasileira de Pediatria; Simon Junior H, Pascolat G, organizadores. PROEMPED Programa de Atualização em Emergência Pediátrica: Ciclo 1. Porto Alegre: Artmed Panamericana; 2017. p. 107–37. (Sistema de Educação Continuada a Distância, v. 2). 
https://portal.secad.artmed.com.br/artigo/manejo-de-crises-convulsivas-e-epileticas-na-sala-de-emergencia

Manual de Emergência Pediátrica do Hospital Criança Conceição – Volume I. Fábio Luís Sechi e Ilóite M. Scheibel. Ministério da Saúde – Grupo Hospitalar Conceição – Porto Alegre. Dezembro 2020

http://revistadepediatriasoperj.org.br/detalhe_artigo.asp?id=616

Abordagem da Crise convulsiva Aguda e Estado de Mal Epiléptico em Crianças – Erasmo Barbante Casella e Cristina M.F. Mângia – Jornal de Pediatria  Vol. 75, Supl.2, 1999. https://www.jped.com.br/pt-pdf-X2255553699028880

https://www.ilae.org/files/ilaeGuideline/ClassificationEpilepsies-Scheffer2017-Portugal.pdf

https://www.ilae.org/files/ilaeGuideline/OperationalClassification-Fisher2017-Portugal.pdf

 

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