Erros inatos do metabolismo (EIMs) são uma classe de doenças genéticas, caracterizadas pelo acometimento das funções celulares. São descritos como condições raras, mas coletivamente representam um grupo de condições genéticas, cuja incidência é de aproximadamente 1/1000 nascidos vivos. No Brasil são mais de 13 milhões de pessoas que possuem uma das mais de 7 mil doenças raras já registradas.
O que são os erros inatos do metabolismo?
São distúrbios de natureza genética que geralmente correspondem a um defeito enzimático capaz de acarretar a interrupção de uma via metabólica. Ocasionam, portanto, alguma falha de síntese, degradação, armazenamento ou transporte de moléculas no organismo. O bloqueio em uma etapa de uma rota resulta na falta ou no excesso de uma determinada substância e pode, adicionalmente, interferir em uma via metabólica alternativa. Atualmente, mais de 500 desordens são conhecidas, correspondendo a cerca de 10% das doenças genéticas.
Há possibilidade de intervenção terapêutica em boa parte dos casos, com tratamento específico que envolve nutrição diferenciada, uso de fármacos, reposição enzimática e até transplante de órgãos e tecidos.
Classificação
Os EIMs dividem-se em duas categorias: a Categoria 1, engloba as alterações que afetam um único sistema orgânico ou apenas um órgão, como o sistema imunológico e os fatores de coagulação ou túbulos renais e eritrócitos. Os sintomas normalmente são uniformes e, portanto, apresenta um diagnóstico facilitado.
A Categoria 2 abrange um grupo de doenças cujo defeito bioquímico compromete uma via metabólica comum a diversos órgãos, como as doenças lisossomais, ou restrito a um órgão apenas, porém com manifestações humorais e sistêmicas, como a hiperamonemia nos defeitos do ciclo da ureia. Assim, as doenças da Categoria 2 apresentam enorme diversidade clínica e acarretam grande dificuldade diagnóstica. Dessa forma, as doenças metabólicas hereditárias dessa categoria são subdivididas em três diferentes grupos conforme suas características fisiopatológicas e fenótipo clínico:
Grupo I: Distúrbios de síntese ou catabolismo de moléculas complexas
Caracterizam-se por sinais e sintomas permanentes e progressivos como facies grosseira, dismorfias, visceromegalias, neurodegeneração, entre outros, sem associação direta com a ingestão alimentar ou com infecções. São classificados em doenças lisossômicas de depósito, peroxissomais, doenças da glicosilação e alterações do colesterol.
Grupo II: Erros inatos do metabolismo intermediário que culminam em intoxicação aguda ou crônica
Doenças que levam à intoxicação, com sinais e sintomas agudos ou progressivos, geralmente com intervalos livres de sintomas e que podem ter relação com a ingestão alimentar ou com situações de estresse metabólico. São classificadas em aminoacidopatias, acidemias orgânicas, defeitos do ciclo da ureia, intolerância aos açúcares, intoxicação por metal e porfirias
Grupo III: Deficiência na produção ou utilização de energia
Doenças cuja clínica é decorrente de alterações de produção e consumo energéticos. Em sua maioria, são provenientes de distúrbios do fígado, miocárdio, músculo e cérebro. Manifestam-se, comumente, através de hipoglicemia, hipotonia generalizada, miopatia, insuficiência cardíaca, retardo de crescimento e até morte súbita, entre outros sintomas. Exemplos desse grupo são as glicogenoses, hiperlacticemias congênitas, doenças mitocondriais da cadeia respiratória e defeitos na oxidação de ácidos graxos.
Identificando os Sintomas
Diversos fatores contribuem para dificultar o diagnóstico de um EIM, entre eles o grande número de distúrbios, a diversidade dos defeitos envolvidos e a ausência de sinais e sintomas específicos na maioria dos casos. Alguns sintomas podem aparecer já nos primeiros dias de vida, enquanto outros podem demorar até alguns anos.
Dependendo da deficiência enzimática e do distúrbio metabólico, o início dos sintomas pode ocorrer no período neonatal, com diminuição da sucção, hipotonia, letargia, vômitos e crises convulsivas, situação frequentemente confundida com quadro infeccioso. Já em outras situações, os EIMs manifestam-se posteriormente, com a sintomatologia determinada por um estresse metabólico de modo agudo e com períodos de remissão, quando controlados os fatores desencadeantes. Adicionalmente, pode-se ter quadros ainda mais arrastados, que incluem atraso do desenvolvimento, dismorfias e infecções de repetição.
PRINCIPAIS SINAIS DE ALERTA | |||
---|---|---|---|
Recém Nascidos | Crianças Maiores | ||
Vômitos frequentes | Regressão do desenvolvimento (desaprender um marco) | ||
Perda de peso | Atraso no desenvolvimento físico e psicomotor | ||
Diarreia | Intolerância alimentar | ||
Odor estranho na pele e/ou urina | Alterações esqueléticas | ||
Quadros semelhantes à intoxicação sem causa definida | Hepatomegalia/hepatopatia, pancreatite, urolitíase, disfunção tubular renal | ||
Infecções recorrentes | |||
Convulsões | |||
Aumento do fígado e do baço |
Diagnóstico e Tratamento
Nesse contexto, vale destacar a importância da triagem neonatal, obrigatória e gratuita no Brasil, que através do Teste do Pezinho, avalia algumas doenças desse grupo.
As técnicas laboratoriais necessárias para o diagnóstico de um EIM incluem testes bioquímicos, hematológicos, triagens metabólicas na urina e no plasma até ensaios enzimáticos em leucócitos, fibroblastos e, até a análise molecular.
O tratamento na fase aguda inclui o tratamento do desequilíbrio metabólico a exemplo da desidratação, acidose, hipoglicemia e distúrbio eletrolítico; a remoção de metabólitos tóxicos seja por transfusão sanguínea ou estimulando a excreção; a suspensão da ingestão de proteínas e carboidratos por cerca de 24 horas, mantendo nutrição parenteral, e, quando possível, a suplementação com cofatores que podem aumentar a atividade da enzima residual.
Quando o quadro agudo estiver controlado, segue-se para o controle permanente. Este pode relacionar-se diretamente com a dieta. O tratamento através da dieta, comumente, está direcionado para a redução de substrato acumulado, para a suplementação de um produto, para a estimulação do bloqueio metabólico com cofatores ou precursores enzimáticos, ou ainda para a desintoxicação por metabólitos.
Outros procedimentos são utilizados em doenças específicas com relativo sucesso, como o transplante de medula, a terapia de reposição enzimática e a terapia gênica.
Curso :: Diagnóstico e Tratamento dos Erros Inatos do Metabolismo
Atualmente, na prática clínica, o diagnóstico e o tratamento dos EIMs ainda são um enorme desafio e, muitas vezes, o diagnóstico é tardio em decorrência da inespecificidade e heterogeneidade dos sinais e sintomas clínicos. O curso Diagnóstico e Tratamento dos Erros Inatos do Metabolismo, do Multiplica PP, nasceu para capacitar profissionais e contribuir para o diagnóstico correto e acompanhamento de crianças e adolescentes com erros inatos do metabolismo (EIM).
O Curso irá abordar casos diagnosticados e tratados no Hospital Pequeno Príncipe, habilitado desde 2016 pelo Ministério de Saúde como Centro de Referência em Doenças Raras.
Referência Bibliográfica:
Texto aprovado pela coordenadora do curso Diagnóstico e Tratamento dos Erros Inatos do Metabolismo – dra. Mara Lucia Ferreira
Apresentação Clínica Inicial dos Casos de Erros Inatos do Metabolismo de um Hospital Pediátrico de Referência: Ainda um Desafio Diagnóstico – Andressa Romão, Priscila Endlich Alves Simon, José Eduardo Coutinho Góes, Louise Lapagessede Camargo Pinto, Roberto Giugliani, Gisele Rozone de Luca, Francisca Ligia Cirilo Carvalho – Rev. Paulista de pediatria 35 (3) • Jul-Sep 2017 – https://www.scielo.br/j/rpp/a/dy8ZDXHCMVkVNgc46VxhKng/?lang=pt
Investigação de erros inatos do metabolismo – Moacir Wajner, Carmen R. Vargas, Maira Burin, Roberto Giugliani, Janice C. Coelho – Revista HCPA 2001(3):343-360 https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/163855/000327152.pdf?sequence=1
Cuidados Paliativos em Erros Inatos do Metabolismo – O que o Pediatra Deve Saber? – Gustavo Marquezani Spolador, Silvia Maria de Macedo Barbosa – Residência Pediátrica – Revista do Pediatra – Ano 2019 – Volume 9 – Número 2 http://residenciapediatrica.com.br/detalhes/385/cuidados%20paliativos%20em%20erros%20inatos%20do%20metabolismo%20-%20o%20que%20o%20pediatra%20deve%20saber-
Erros inatos do metabolismo: revisão de literatura – Antonette Souto El Husny, Milena Coelho Fernandes-Caldato – Revista Paraense de Medicina – v.20 n.2 Belém jun. 2006 http://scielo.iec.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-59072006000200008#:~:text=Os%20erros%20inatos%20do%20metabolismo%20(EIM)%20s%C3%A3o%20dist%C3%BArbios%20de%20natureza,interrup%C3%A7%C3%A3o%20de%20uma%20via%20metab%C3%B3lica.&text=Ocasionam%2C%20portanto%2C%20alguma%20falha%20de,transporte%20de%20mol%C3%A9culas%20no%20organismo.
https://www.dle.com.br/areas-de-atuacao/erros-inatos-do-metabolismo/